terça-feira, 12 de abril de 2016

Tour pela França - Beaune

Beaune
Se Dijon é a capital administrativa da Bourgogne, Beaune pode ser considerada a capital afetiva da região. Essa pequena cidade encravada em meio a vinhedos multicentenários é uma base mais do que conveniente para explorar e degustar o tesouro de “grands crus” e “premiers crus” produzidos ao seu redor. A Bourgogne é subdividida oficialmente em cinco áreas produtoras de vinhos que se sucedem num eixo de apenas 230 quilômetros: Côte de Nuits, Côte de Beaune, Côte Chalonnaise, Mâconnais e Chablis (há quem inclua também Beaujolais na conta). Dá para ir parando de cidadezinha em cidadezinha para admirar os vinhedos, a arquitetura das casas e, de preferência, degustar alguns vinhos locais. Beaune é uma comuna francesa na região administrativa da Bourgogne-Franche-Comté, no Dèpartement Côte-d’Or. Beaune está localizada a pouco mais de 300 quilômetros da capital Paris, no “centro-leste” da França, bem próximo a fronteira com a Suíça. Estende-se por uma área de 31,31 quilômetros quadrados. É a segunda comuna mais populosa do Dèpartment Côte d’Or.

Chegando em Beaune
Apesar de ser uma das regiões vinificas mais importantes da Europa, sua produção representa apenas 0,4% do total mundial; uma a cada duas garrafas é exportada. As características do solo, as condições de temperatura, chuva e insolação e os métodos tradicionais de fabricação extraem das uvas pinot noir e chardonnay o terroir inimitável dos tintos e brancos bourguignons. Todos os caminhos na Bourgogne levam ao encontro da boa comida, dos bons vinhos e dos cenários apaixonantes. Existe mais de quatro mil Domaines (como são chamadas as propriedades vinícolas da Borgonha) na região. Domaine Romanée-Conti, Domaine Leflaive, Domaine Armand Rousseau Père et Fils e Domaine Leroy, são exemplos dentre as mais importantes vinícolas da Côte d’Or, sendo a primeira responsável por produzir o vinho mais caro do mundo (segundo listagem do Wine Searcher). Por razões óbvias, algumas Domaines – como é o caso da Romanée-Conti – não estão (normalmente) abertas à visitação, mas existem centenas – talvez milhares – delas disponíveis para que você possa degustar e ver de pertinho o processo de produção dos vinhos da Borgonha.

As ruas charmosas de Beaune
Beaune funciona muito bem como uma parada entre Paris e Lyon, um dos grandes centros gastronômicos da Europa. Logisticamente falando, Beaune é uma base perfeita para quem pretende viajar pelo interior da França de carro – quase no meio do caminho entre Paris e a Provence. Turisticamente falando, é a cidade perfeita para quem quer conhecer um pouquinho da vida e rotina no verdadeiro interior da França. Ruelas de pedras, edifícios centenários, uma pracinha com carrossel, balões no céu e campos verdes a perder de vista. Uma característica forte de Beaune é a ausência de ventos fortes. Venta muito pouco na região, no verão isso faz com que a sensação de calor seja ainda mais cruel, mas por outro lado faz dali o lugar ideal para passeios de balão. Não é nada raro vê-los no céu de Beaune. Em Beaune, muitas opções de lazer têm estreita ligação com o vinho: passeios (inclusive de bicicleta) através de vinhedos, ótimos restaurantes nos quais é concedida especial atenção à harmonização de vinhos com pratos primorosos, e belos museus.

Musée Du Vin
Basicamente você pode chegar até lá de três maneiras, sempre a partir de Dijon: pedalando, alugando um carro ou vindo de trem. Saindo de Dijon, o melhor caminho é a Route des Grands Crus (também chamados de "Champs Elysées" da Bourgogne), que passa por 33 pequenos vilarejos e inúmeros vinhedos. Viajando de carro, não se esqueça de configurar o GPS para percorrer as estradas menores e fugir das rodovias (eu sempre faço isso). Assim, você conseguirá cruzar com o Château Du Clos de Vougeot rodeado de parreiras no meio do caminho. O Château foi inicialmente construído por monges como uma abadia no século XII e, no século XVI, um grande castelo renascentista foi concluído em seu anexo. São 45 quilômetros entre Dijon e Beaune, mas aposto que você vai querer parar a cada novo quilômetro (digo por experiência própria). É uma rota muito fotogênica. Da Estação Central de Dijon partem trens para Beaune diversas vezes ao dia. A viagem leva menos de 30 minutos. Essa opção não permite parar para fotografar.

Place de La Halle
A Estação de Trem fica bem pertinho da entrada da cidade murada. Caminhe em direção à Place de La Halle, a principal Place da cidade. É nessa Place que as quartas e sábados pela manhã acontece uma feirinha de produtos locais. A Place é cercada por lojinhas de comércio local, caves e alguns cafés e restaurantes, além é claro da principal atração da cidade, os Hospices de BeauneMusée de l’Hôtel Dieu. O Centro Antigo de Beaune fica dentro da cidade murada de origem medieval, está localizada no coração da Borgonha, formada por uma série de ruas estreitas e tortuosas com muitas caves de vinhos. As construções antigas com telhados em desenhos geométricos tingidos de amarelo e vermelho são uma característica da cidade. Inicie a visita a Beaune pela Cathèdrale de Notre-Dame. Saindo da Catedral vá até o prédio do antigo Hotel dos Duques de Beaune, com fachada em estilo flamboyant, uma fase do estilo gótico, mais rebuscado que o normal. No Hotel dos Duques hoje funciona o Musée Du Vin. Para quem visita a Borgonha, passar no Musée Du Vin é imperdível, pois ali está registrado tudo sobre o assunto, desde a área mais favorável à produção, as ferramentas e equipamentos utilizados na lavoura e na produção dos vinhos, até as características de aroma e sabor de todos os vinhos da região. Há diversos passeios para conhecer os produtores da região. 

Hôtel Dieu
A visita que mais impressiona em Beaune é o fantástico Hôtel Dieu, construído em 1443, um antigo hospital construído para cuidar de pessoas pobres e desamparadas, por um nobre da Borgonha e sua esposa, o casal Nicolas e Guigone Rolin. Era uma forma de aliviar a consciência de um casal bem-afortunado, que conseguiu também atrair a cooperação de diversos artistas para ajudar na decoração do local. Naquela altura, o cenário não era das melhores na França, a chamada Peste Negra havia feito muitas vítimas, o país ainda lutava a Guerra dos 100 anos. A fundação de um hospital de caridade, que atendesse a população carente da região surge como uma esperança para muita gente que, mais do que nunca, necessitava de toda e qualquer ajuda. O Hôtel Dieu, ou Hospices de Beaune, é um dos lugares mais bonitos de se visitar na Bourgogne. Mas calma, não precisa ficar com medo de não te deixarem sair mais de lá, não tem nada a ver com hospício. Hospice neste caso quer dizer simplesmente hospital. Hoje em dia é um lugar super bem conservado e um passeio imperdível. A visita começa pelo pátio interno, de onde se pode contemplar a deslumbrante arquitetura medieval em estilo gótico. O destaque fica por conta do uso de telhas policromadas, que dão um aspecto brilhante aos telhados, em um visual colorido único, super típico dessa região da Borgonha

Salle des Pôvres com as camas enfileiradas

Após o pátio interno, a visita segue pelos salões e alas do antigo hospital, com reproduções fiéis ao estilo da época e que ajudam a contar um pouco da história do lugar. Há uma reprodução da ala onde ficavam as camas dos doentes, além da cozinha e da farmácia onde eram armazenados os medicamentos. Essa parte da visita é bem histórica e o áudio guia ajuda a complementar as informações visuais. A “Salle des Pôvres” ainda conserva os leitos medievais, é possível ver a farmácia, a cozinha, tudo como era na época. Também se pode notar a ausência de banheiros. É impressionante e deixa qualquer um feliz de ficar doente nos dias de hoje. Mas pelo menos era um lugar lindo de morrer. Literalmente. A visita levou no total entre 45 e 60 minutos, mesmo com a gente parando para tirar fotos de quase tudo lá dentro.


Salle des Pôvres do Hôtel Dieu com o Políptico 
representando "O Juízo Final" ao fundo
Após mais de 500 anos de sua fundação, em 1971, o Hôtel-Dieu passou a não mais receber enfermos. Desde então, os atendimentos médicos são realizados em um novo hospital, mais moderno e mais bem equipado para atender as necessidades da população local. O antigo “palácio dos pobres” foi então transformado em museu, aberto à visitação. O edifício onde funcionou o hospital  possui uma arquitetura espetacular. É absolutamente impossível passar pelo Hospices de Beaune sem parar por alguns minutos para admirar todos os detalhes e singularidades da construção. O Palais des Pôvres foi construído inspirado em prédios onde funcionavam hotéis no Norte. Com fachadas góticas, as telhas policromáticas formando padrões geométricos indicam referências à Europa Oriental. Foi construído em estilo flamengo e o que mais chama a atenção na sua estrutura é o telhado, formado por um mosaico de telhas vitrificadas (tuiles vernissées), com cores bastante vivas. As cores lembram a paisagem de outono dos vinhedos. 

Cozinha do Hôtel Dieu
O conjunto forma uma obra única da arquitetura medieval. E o melhor ponto para observar a riqueza do telhado é do pátio interno. Esse tipo de telhado pode ser encontrado em várias cidades da Borgonha, mas é aqui no Hôtel Dieu que se tem o exemplar mais belo. Em seu interior, que se assemelha a uma nave central de igreja, os enfermos eram cuidados por freiras, em leitos dispostos lado a lado, nas laterais. Outro ponto alto é o políptico em óleo sobre tela do século XV representando o “O Juízo Final” de Rogier van der Weyden, que fica na última sala antes da saída da visita. Vale alguns minutos de contemplação. Uma enorme lupa percorre toda extensão do quadro para que se possam observar os detalhes do trabalho. Exposto em duas paredes contíguas, o quadro foi seccionado para que os visitantes possam apreciar simultaneamente, o que originalmente seria a obra fechada e aberta. Quando o Hôtel Dieu funcionava, a obra era exposta na maior parte do tempo em sua face externa (no modo fechado): a pintura mostra Nicolas e Guigone Rolin, ajoelhados em cada canto da obra. A parte interna só era aberta nos fins de semana para que o povo tivesse acesso: Jesus Cristo ao centro; à sua direita, o caminho para o paraíso, e à esquerda, o fogo eterno.

Hôtel Dieu - Hospices de Beaune
A fama do local se espalhou rapidamente e não tardaram a bater às portas do hospital não só os menos favorecidos, mas também nobres e representantes de classes mais remediadas - estes eram recebidos numa espécie de ala de primeira classe. Todo médico, se algum dia tiver a chance, deveria vir conhecer o antigo Hospice de Beaune. É uma aula de planejamento administrativo, sustentabilidade econômica e perseverança, além de ação humanitária. O casal Rolin conseguiu donativos e os meios para manter o hospital funcionando, mesmo depois das suas mortes. Dentre os donativos, o Hôtel Dieu recebeu terras excelentes para a produção de uva e vinhos. Os vinhos “Hospice de Beaune” são famosos e a sua comercialização ajudou a pagar as despesas do hospital.

Corredores da Cave Patriarche
Um dos eventos mais importantes da Bourgogne é o leilão anual de caridade dos vinhos de Beaune, ou a Vente des Vins des Hospices de Beaune. A Vente des Vins des Hospices de Beaune organizada pela Christie’s acontece sempre no último fim de semana de novembro e é concorridíssima! O leilão em si não tem interesse nenhum para quem está passeando. Como se trata de um leilão de caridade, algumas celebridades e empresários franceses fazem lances super altos para contribuir com a causa do Hospital de Beaune. Apesar disso, a imprensa e os especialistas acompanham tudo bem de perto, pois os lances costumam indicar a tendência do valor dos vinhos do ano. Os lances são feitos num salão logo em frente ao Hôtel Dieu, e é possível ver o que está acontecendo pelo lado de fora. Portanto, o interesse da coisa não é o leilão, mas sim os eventos que comemoram o fim da temporada de produção de vinho. Durante dois dias a cidade fica em ritmo de festa regada com “vin, beaucoup de vin!”. As caves se abrem para degustações, as praças são invadidas por barraquinhas com comidas e bebidas, os estacionamentos viram parques de diversões para crianças, e as ruas ficam lotadas de turistas e habitantes locais.

Portão da Cave Patriarche
Beaune recebe o título de “capital dos vinhos da Borgonha” não por acaso. São inúmeras produções vinícolas na região, dentre elas estão alguns dos mais famosos e melhores vinhos da França. Nada mais justo que um museu dedicado a esta arte. O Museu do Vinho da Borgonha é local destinado a contar sobre a história e produção local. Um passeio superinteressante para os enófilos ou para qualquer viajante que nutra curiosidade sobre o tema. Bem no centro de Beaune existe uma maneira de degustar vários vinhos de ótima qualidade. A Cave Patriarche, na Rue Du Collège, é uma das caves mais famosas da região, e propõe uma degustação de 14 vinhos diferentes ao longo da visita dos seus corredores subterrâneos que se contorcem por cinco quilômetros nos subterrâneos da cidade. São milhões de garrafas estocadas nas galerias do século XIII. O mais bacana é que quem manda é você. Na hora que a gente chega e paga a entrada, recebe um “tastevin, que é uma tacinha chata de metal usada na Borgonha para  degustar o vinho. Se quiser ajuda na hora da degustação, ótimo. Se não, ninguém vai te amolar. E o mais importante: apesar da visita começar e terminar numa lojinha, ninguém vai te botar pressão para comprar algo.

Hôtel de Ville
Se você tem pouco tempo na cidade, mas não desiste de conhecer – ainda que rapidamente – todos os seus principais atrativos, o Visiotrain pode ser uma opção bem bacana. Os trenzinhos fazem passeios de 45 minutos de duração, passando pelos mais importantes pontos da cidade. Enquanto aproveitam o passeio, os visitantes podem ouvir mais detalhes sobre a cidade e seus monumentos em áudio guias que contemplam nove idiomas, incluindo o português. Os horários das partidas variam de acordo com os dias da semana. A Place Carnot é a segunda Place mais importante da cidade, conhecida por ostentar um carrossel bem ao centro e pela lojinha Mulot & Petitjean, uma das mais famosas na produção de ‘Pain d’Épices’, uma espécie de bolo/pão de especiarias que é bem típica da região. Outros pontos que merecem destaque são a Rue Notre-Dame e a Place Marey. Na Rue de Lorraine fica localizado o Portão de Entrada da cidade. Logo em seguida fica o ‘Hôtel de Ville’, o imponente edifício da Prefeitura da cidade.

Passeio de Bicicleta nos vinhedos da região
Se você já rodou minimamente pelo interior da Europa sabe o quanto os europeus são entusiastas de festivais. Dos mais diversos tipos: musicais, teatrais, gastronômicos, cinematográficos, o que importa é incentivar e prestigiar a arte e produção. Em Beaune, e em toda a região da Borgonha, não poderia ser diferente. Antes de fechar seu roteiro, vale a pena dar uma olhada atenta na agenda cultural de cidade. Muitas vezes você encontrará joias inesperadas que darão um toque todo especial à sua viagem. Quem viaja para Beaune de junho a setembro, por exemplo, pode aproveitar o Lumières à Beaune. O evento convida os visitantes à um “tour iluminado” pela noite de Beaune. Ao longo do caminho, são realizadas grandes projeções de luzes nas fachadas de sete monumentos da cidade. Um show belíssimo inspirado na história da cidade. Já aqueles que visitam a cidade entre novembro e dezembro podem curtir boa música no Beaune Blues Boogie Festival.

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