Palacio das Aguas Corrientes |
Ao longo da Avenida Córdoba, uma das avenidas mais
movimentadas da cidade, se encontra um edifício tão exuberante, luxuoso e
emblemático que é impossível não chamar a atenção de qualquer turista
desavisado que passe por ali. A semelhança com um palácio aristocrata vai muito
além de sua arquitetura e tamanho. Aliás, sua beleza e complexidade beiram a
uma instintiva curiosidade, na qual lhe deixa pensando “o que será isso?”. Bom,
trata-se do Palacio das Aguas Corrientes,
declarado como Monumento Histórico
Nacional, e a sua origem é ainda mais curiosa do que se imagina.
Extravagante e ridículo para uns, fascinante para outros, o Palacio das Aguas Corrientes foi
símbolo da pompa dos anos 1880 e ao mesmo tempo uma peça chave para a sanidade
de uma cidade que estava em pleno crescimento.
Palacio das Aguas Corrientes |
A história do Palacio
das Aguas Corrientes tem sua origem na segunda metade do século XIX, quando
Buenos Aires ainda estava em
progresso. O crescimento acelerado da população, devido principalmente à
chegada de milhares de imigrantes à cidade, consolidando-a como um porto, trouxe
também diversos problemas na qual a cidade ainda não estava preparada para
conter. A falta de uma boa estrutura de serviços públicos, como o saneamento
básico, trouxeram diversas epidemias, que começaram a atacar de forma
alarmante: cólera (matando 1.500 pessoas em 1867), febre tifoide (matando 500
pessoas em 1869) e a febre amarela (matando 14 mil pessoas em 1871, cerca de 8%
da população de Buenos Aires) foram
algumas das históricas doenças que levaram grande porcentagem da população
portenha. Diante do deficiente sistema de água potável na cidade na época, o
governo pensou na solução e decidiu criar e instalar um avançado sistema de
água corrente, seguindo os modelos do engenheiro civil inglês John Bateman.
As construções do
depósito de água e seus canos subterrâneos começaram em 1887 na zona norte de Buenos Aires e duraram cerca de sete
anos, sendo inaugurado em 1894 pelo presidente Luis Sáenz Peña, com um
extravagante valor de cinco milhões de Pesos.
A ideia de transformar tanques de água em um Palácio recebeu inúmeras críticas,
geralmente em relação à falta de necessidade de dotar uma instalação com esse
tipo e luxo, considerando-o um exagero e um desperdício. No entanto, era comum
naquela época que edifícios de funções utilitárias, como armazéns ou terminais
ferroviários, fossem envoltos em exteriores palacianos. A empresa Bateman, Parsons & Bateman estava
encarregada do projeto, e logo após foi decidido privatizar as obras de saúde
devido à falta de recursos do Estado. A empresa Samuel B. Hale y Co. assumiu o trabalho, concedendo as obras da
fachada exterior a Juan B. Médici, que foram dirigidas pelo engenheiro sueco
Carlos Nyströmer e o arquiteto norueguês Olaf Boye (na época funcionários da Bateman, Parsons & Bateman). As
obras empregaram 400 trabalhadores. Posteriormente, o depósito foi operado
pelas Obras Sanitarias de La Nación
(que ali ocupavam seus escritórios por volta de 1930).
Fachada do Palacio das Aguas Corrientes |
Com a fachada as
autoridades também não pouparam gastos. Seu elaborado e deslumbrante desenho
arquitetônico seguiu os moldes do que na época agradava a classe alta portenha,
ou seja, influências europeias, principalmente com elementos do renascentismo
francês, utilizando 170 mil peças de cerâmica, 130 mil ladrilhos esmaltados,
além de um extremo perfeccionismo para dar ao edifício sua aparência
monumental. A escolha de tal material foi por conta da poluição em tempos de Revolução Industrial, para que os
enfeites não estragassem. As peças de mármore destinadas a cobrir a fachada do
projeto original foram substituídas por peças de terracota feitas nas fábricas da
Royal Doulton & Co. em Londres e da Burmantofts Company em Leeds.
Eles foram todos numerados no momento da fabricação e uma vez em Buenos Aires foi só montar. Os navios
britânicos chegavam à capital argentina carregados com os adornos para a face
externa do Palacio das Aguas Corrientes
e para não voltarem vazios, eram carregados com produtos argentinos,
essencialmente verduras, grãos e frutas. Foram adicionados os escudos das
províncias argentinas (na época eram 14) e da capital Buenos Aires, compondo uma autêntica joia decorativa. Os tetos eram
feitos de ardósia verde trazida da França.
As quatro torres de suas esquinas, suas cúpulas e mansardas lhe dão sua
aparência monumental.
Detalhes da Janela na Fachada do Palacio das Aguas Corrientes |
Dentro do Palacio das Aguas Corrientes foram
construídos 12 gigantescos tanques de água sustentados por 16 mil toneladas de
ferro fundido trazidos da Bélgica, com
capacidade para 72 milhões de litros d’água. O peso calculado de 135 mil
toneladas de água é sustentado por estruturas de ferro com vigas e colunas,
atrás de paredes de 1,80 metros de espessura que sustentam as 180 colunas
separadas por seis metros. As paredes foram levantadas com tijolos cozidos
vindos da cidade de San Izidro. No
centro do Palácio, um pátio interno fornece luz e ar para os cômodos. Tudo isso
para dar à cidade uma impecável evolução no sistema de água potável, que
funciona até hoje. Como estação de abastecimento, o Palacio das Aguas Corrientes teve vida curta, pois a cidade
continuava crescendo e a distribuição de águas já não alcançava todos os locais
da cidade. Atualmente, contudo, dentro do Palacio
das Aguas Corrientes há também escritórios da empresa Agua y Saneamientos Argentinos (AySA), além do Museo
Del Agua y de La Historia Sanitaria que resgata toda a evolução do
sistema no país. Existe muita informação bacana no Museo Del Agua y de La Historia Sanitaria de Buenos Aires, além da impressionante estrutura interna do Palacio das Aguas Corrientes.
Estrutura Interna do Palacio das Aguas Corrientes |
À medida que se vai
caminhando, entre os mais diversos objetos ligados ao saneamento básico, o guia
vai nos contando as histórias das águas em Buenos
Aires: uma forma divertida e diferente de conhecer o passado da cidade. As
salas onde funciona o Museu são os antigos tanques de armazenamento de água. Contudo,
só conseguimos ter noção real do local quando entramos nos tanques cuja
estrutura original foi mantida, justamente para ficar para a posteridade como
testemunha de tempos mais antigos, onde, por exemplo, havia fontes espalhadas
pela cidade porque a água não chegava a todas as casas. Assim, as pessoas
tinham onde buscar água limpa. Entretanto havia a figura do vendedor ambulante
que, pagando uma cota mensal, podia vender a água de casa em casa. Seu meio de
transporte para tal empreitada era a carroça. Uma das partes mais divertidas da
visita é conhecer a evolução dos vasos sanitários. Logo quando surgiram, havia
uma vergonha muito grande de tê-las dentro de casa. Aos poucos cultura e
comportamentos foram mudando. Para influenciar nesta mudança, os
fabricantes de vasos sanitários investiram muito em design para que as pessoas
começassem a transformar seus conceitos em relação à peça e o modo de usá-la.
Detalhes da Cúpula na Fachada do Palacio das Aguas Corrientes |
Por fim, chega-se até
os tanques onde a água era armazenada. Imensos e impressionantes. Finalizando a
visita, o guia nos conta a lenda que o Palacio
das Aguas Corrientes é um lugar assombrado. Há quem jure de pés juntos que
à noite há arrastar de correntes e gritos que só podem mesmo vir do além! Há
ainda quem diga que o corpo de Evita Perón – que foi escondido em diversos
lugares de Buenos Aires antes de ser
enterrado no Cemitério da Recoleta –
tivesse ficado um tempo por ali também. Contudo, engenheiros refutam esta ideia
argumentando que a estrutura do lugar não permitia de modo algum esconder ali
um corpo. O edifício está na Avenida
Córdoba, mas a entrada para o Museu é na Calle Riobamba e funciona de segunda a sexta das 9 às 13 horas, com
visitas guiadas todas as segundas, quartas e sextas às 11 horas. O acesso é
gratuito e não é necessário nenhum tipo de agendamento. A mansão ocupa um
quarteirão inteiro no Bairro Balvanera,
no centro de Buenos Aires.
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