Torres |
Famoso pela Serra Gaúcha, pela região das Missões Jesuíticas e pelos Cânions Fortaleza e Itaimbezinho, o Rio Grande do Sul nunca foi muito aclamado por seu litoral. De
fato, a concorrência com os oito mil quilômetros de costa do Brasil coloca o Estado numa razoável
desvantagem. O gaúcho não precisa ir muito longe para encontrar praias
incríveis em Santa Catarina. Mas o
que pouca gente fora do Sul sabe é que Torres,
no litoral norte do Rio Grande do Sul,
concentra algumas das mais belas praias do Estado – e fazem frente às mais
belas do país. Acessível por uma ótima estrada, Torres fica a 197 quilômetros de Porto Alegre. Recebe anualmente milhares de turistas de todo o Brasil e países vizinhos. É um polo de
veraneio de muitos gaúchos e o Rio
Mampituba, que corta a cidade, marca a divisa com Santa Catarina. A cidade em si não tem nada de excepcional. Segue
aquele aspecto de balneários brasileiros, com casas simples, sorveterias, lojas
de boias e outras emergências litorâneas e aquele aspecto leve e
descompromissado dos trópicos. É possível encontrar mar, ilhas, praias, dunas,
rochedos, Mata Atlântica, rio,
lagoas, cachoeira, fauna e flora variadas. O que tem de único no litoral de Torres são as suas praias –
principalmente a da Guarita e a Prainha. De brinde, formações de
falésias sem igual no Brasil, bons
museus, visita aos lobos-marinhos na Ilha
dos Lobos e o principal festival de balonismo da América do Sul.
Praia da Guarita |
Cartão-postal principal
de Torres, a Praia da Guarita é merecidamente considerada a mais bela do Estado,
é um resumo perfeito dos encantos da região. Fica dentro do parque que recebe o
mesmo nome, uma zona de proteção onde é cobrada entrada apenas para carros. Uma
rede de trilhas fáceis, bem estruturadas e sinalizadas leva a um complexo único
de enseadas e penhascos. É tudo muito verde e diferente do resto da costa
brasileira. As águas ali são claras, em um tom raramente encontrado no litoral
gaúcho, e podem receber ondulações fortes. Apesar de protegida pelas Torres do Meio e do Sul, o mar é agitado e somente os
surfistas o enfrentam. Nas areias, porém, o clima é de tranquilidade, com
pouquíssimas barracas. Você não terá visto tudo
se não subir à Torre Sul, que
oferece o melhor ângulo da Praia. Os cerca de 100 degraus podem desmotivar, mas
a vista lá de cima compensará o sacrifício, onde se tem uma bela vista da Praia da Guarita, Praia de Itapeva, Torre do
Meio, dunas e da cidade. A Torre do
Meio, também conhecida como Morro
das Furnas, fica entre a Praia da
Guarita e a Praia da Cal, é
enorme, tem 800 metros de extensão, e a trilha que atravessa o platô, é uma
ótima opção de caminhada. Há alguns pontos onde é possível descer pelas
escadarias e visualizar as furnas, onde o mar entra em cavernas por baixo dos
penhascos. Cuidado! Algumas escadas são bastante íngremes e com a maré alta é
perigoso ir a alguns locais, pois o mar é muito forte.
Praia da Cal |
Andando para o norte,
uma trilha asfaltada e com boas escadas leva à Praia das Torres. Penhascos majestosos demandam cliques com muito
cuidado para não chegar perto demais do limite de segurança. Uma paisagem
dramática, que lembra as falésias da Irlanda.
Você entenderá logo a razão do nome da cidade ao observar as lindas formações
basálticas. Não tenha pressa: busque seu cantinho para admirar tanta beleza. Lá
de cima também é possível avistar a Praia
da Cal e, adiante, a Prainha. Na Prainha, a
tranquilidade também impera. O que muda é a paisagem, formada por uma larga
faixa de grama onde as famílias esticam cangas e toalhas. Pais e filhos marcam
presença, ainda, na bonita Praia da Cal,
contornada por casas de veraneio e calçadão. Depois da Guarita
você terá dificuldade em escolher qual a segunda mais bonita de Torres. Os surfistas adoram a Cal, mas principalmente a Praia dos Molhes, onde estão algumas
das melhores ondas do litoral gaúcho. A melhor época para surfe é de março a
agosto, mas em julho os surfistas (e quem mais estiver na areia) podem ver
bandos de golfinhos que passeiam por lá atrás das tainhas. É sempre importante
tomar cuidado com as redes dos pescadores – eles, afinal, também estão em busca
dos peixes.
Praia da Guarita |
Já quem procura animação segue para a Praia Grande, que na alta temporada
fica tomada de guarda-sóis. Os bares, restaurantes e pousadas nos arredores
garantem o movimento constante. Próxima do centro reúne famílias e grupos de
jovens e adolescentes. Outro cenário de paz absoluta é a Praia de Itapeva, sem quiosques ou ambulantes. O mar é calminho e
as areias são perfeitas para praticar esportes como caminhada, corrida e
frescobol. Para os preguiçosos, uma boa notícia: muita gente estaciona o carro
na areia. Na hora de apreciar a boa mesa, todos os caminhos levam à margem
do Rio Mampituba. Lá
estão os melhores restaurantes de pescados da região, além de muitas
churrascarias. Torres vive
essencialmente em torno do turismo que sua bela paisagem natural e suas praias
de banho favorecem.
Praia da Cal vista do Morro do Farol |
Além das belas praias, Torres surpreende por outro título: o
de “capital brasileira do balonismo”. Entre abril e maio, o céu fica
supercolorido com o Festival
Internacional de Balonismo de Torres, que ocorre anualmente, e agrada aos
praticantes pelo seu clima e topografia ideais para o voo e por oferecer uma
das melhores infraestruturas do Brasil
para pilotos e equipes. As provas são diversas e incluem modalidades como
velocidade e precisão. Vale a pena se programar para ir nessa época – é mágico
vê-los voando ao mesmo tempo, emoldurados pelas formações rochosas da Praia da Guarita. O evento mobiliza a
cidade não apenas com os balões, mas também com muitos shows. Na época do
Festival é possível ainda embarcar em voos de balão, geralmente ao amanhecer e
entardecer. Os preços variam e são negociados diretamente com os pilotos. O
preço dá direito a brinde de espumante da Serra
Gaúcha no fim – e a taça você pode levar para casa como recordação. A boa
notícia é que, mesmo que não vá à época do Festival, os passeios operam o ano
todo (embora dependam, logicamente, das condições climáticas). Outro jeito de
ver Torres do alto é de parapente ou
paramotor.
A paisagem da cidade se destaca por ser a única praia do Rio Grande do Sul em que sobressaem
paredões rochosos à beira-mar, e por ter à sua frente a única ilha marítima do
Estado, a Ilha dos Lobos, uma reserva ecológica, a menos de dois quilômetros
da costa. Durante o verão, as estrelas do litoral gaúcho são os
lobos-marinhos. Não há praias e nem é permitido desembarcar, mas contornando as
rochas é possível avistar vários grupos descansando por ali. Um barato para
crianças e adultos. O passeio é tranquilo e dura cerca de 90 minutos. Entre os
meses de março e setembro é possível encontrar baleias francas no litoral de Torres. Em terra, uma parada
obrigatória é o Morro do Farol,
também conhecido como Torre Norte,
pertinho do centro. Se não estiver com muita disposição, dá para subir de
carro, mas a caminhada vale a pena. O local é ponto de voos de paraglider. De
lá, mais uma bela panorâmica da cidade – dessa vez com o Parque da Guarita incluso no cenário, além da Praia da Cal, Praia Grande
e Torre do Meio. A parte de baixo,
ao pé do Morro, é um ótimo lugar para fazer uma caminhada, há uma calçada à beira
mar que atravessa o Morro e liga uma praia à outra e uma Gruta de Nossa Senhora Aparecida. No centro, a Lagoa do Violão tem boa estrutura para caminhar ou pedalar e é um
dos lugares mais buscados para ver o pôr do sol.
Molhes do Rio Mampituba. À esquerda Oceano Atlântico, à direita Rio Mampituba |
A alta temporada vai de novembro a março, mas Torres têm opções para o ano todo.
Claro, estamos no Sul e é comum as temperaturas baixarem e as chuvas caírem
forte. Duas boas atrações indoor são os museus da cidade. O Museu Histórico de Torres, bem no
centrinho, relembra o passado da cidade por meio de objetos e imagens. É
simples, mas bonitinho. Já o Museu
Parque da Guarita revela como se deram as formações particulares que dão o
charme à região. O único monumento histórico/artístico de grande porte a
sobreviver na cidade é a Igreja de São
Domingos, erguida entre 1819 e 1824, a primeira Igreja a ser construída no
trecho entre Laguna e Osório. É considerada, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado do Rio Grande do Sul, que a tombou em 1983, o marco
inicial da cidade, que se desenvolveu em seu entorno. Tem um estilo colonial
luso-brasileiro, embora tenha sofrido algumas intervenções posteriores em
diferentes linguagens arquitetônicas. Também resistem a “Casa da Terra”, datada de 1854, e uma casa pegada à Igreja de São Domingos, chamada Casa n˚ 1, que recebeu o Imperador Dom
Pedro I em sua passagem pela cidade.
Praia dos Molhes |
O local onde está a
cidade de Torres foi habitado pelo
homem desde milhares de anos atrás, que deixou testemunhos físicos na forma de
sambaquis e outros achados arqueológicos. No século XVII, durante a colonização do Brasil pelos
portugueses, por estar encravado em um estreitamento da planície costeira
sulina, o local passou a se constituir rota de passagem
obrigatória para os tropeiros e outros desbravadores e aventureiros
luso-brasileiros vindos do norte pelo litoral – a única outra passagem que
havia então era por cima do Planalto de
Vacaria - e que buscavam os rebanhos livres de gado que
se multiplicavam no Pampa mais ao sul e caçavam os indígenas para fazê-los escravos. Muitos acabaram por se fixar
na região e se tornaram estancieiros e
pequenos agricultores. E por
dispor de morros junto à praia, logo foi reconhecido seu valor estratégico como
ponto de observação e controle de passagem, de importância militar e política
no processo de expansão do território português sobre o espanhol.
Passo Torres |
A construção da Igreja de São Domingos no início do século
XIX atraiu para seu entorno muitos dos residentes dispersos na região, estruturando-se
desta forma um povoado. Sua evolução ao longo deste século, porém, foi morosa,
mesmo tendo recebido levas de imigrantes alemães e italianos, sobrevivendo numa
economia basicamente de subsistência. A expansão econômica, social e urbana só
aconteceu a partir do início do século XX, quando em vista de sua bela paisagem,
clima ameno e boas praias de banho, o potencial turístico da cidade foi descoberto e passou a
ser explorado. Desde então cresceu com mais vigor e celeridade, chegando hoje a
se tornar uma das praias mais procuradas do Estado, recebendo no verão um público
flutuante mensal de 200 mil pessoas, muitas delas estrangeiras, vindas
principalmente dos países do Prata.
Isso contrasta com as dimensões de sua população fixa, que pouco passa dos 30
mil habitantes. Não por isso deixou de desenvolver uma economia consistente e
boa infraestrutura para atender a esta demanda turística, sua fonte principal
de renda.
Pesca de tarrafa no Rio Mampituba |
Torres, um dos antigos
núcleos de povoamento do Estado, inicialmente tinha uma arquitetura
extremamente pobre, constituída de casebres de barro ou ramos cobertos de palha
ou folhas de palmeira. Em seguida começaram a surgir exemplares típicos da arquitetura
colonial brasileira, de influência barroca portuguesa, com casas construídas de
taipa ou pedra e cobertas com telhas. Quando se iniciou a exploração turística
no começo do século XX foram construídos diversos prédios novos, entre hotéis e
residências de verão para famílias abastadas de Porto Alegre e do interior do Estado, estas muitas vezes de madeira
e com requintes decorativos como lambrequins e balaustradas. Enquanto o turismo
trouxe progresso e crescimento, tornando a cidade um polo estadual para eventos,
festas, competições esportivas, espetáculos e outras atrações, trouxe também sérios
problemas para o meio ambiente e a cultura tradicional. Antes coberta pela Mata Atlântica, ali de biodiversidade especialmente
rica pela variedade de ambientes criados pela geografia complexa da área, hoje tem
este patrimônio natural severamente ameaçado e muito reduzido, com poucas áreas
preservadas, já tendo perdido muitas espécies e estando outras tantas em perigo.
Pescadores no Rio Mampituba |
Torres compartilha com toda a
região do Litoral Norte do Estado
diversos costumes tradicionais, a começar pelos hábitos típicos da comunidade
pesqueira, com suas técnicas e materiais antigos, que ainda sobrevivem
principalmente entre os pescadores mais velhos, produzindo artesanalmente suas redes
e barcos, mantendo seus conhecimentos e interpretações tradicionais sobre o mar,
os fenômenos do clima e os peixes, e preservando uma série de práticas como a de
fazer promessas e benzeduras antes de sair à pesca, ou usando amuletos.
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