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San Telmo |
Pense num bairro de Buenos Aires bem antigo e com casarões
centenários. De calçadas estreitas e ruas de paralelepípedos. Com esse charme
todo que o converte rapidamente num dos lugares favoritos dos turistas
estrangeiros. Sim, estamos falando de San
Telmo, aquele pequeno pedaço de Buenos
Aires cuja tradição contagia e seduz. Logo ao sul de Montserrat, San
Telmo ocupa uma posição central na história de Buenos Aires.
Originalmente povoado por estivadores e oleiros no século XVII, o bairro mais
antigo de Buenos Aires não deixa escapar seu charme colonial. Em suas origens, a área foi se povoando com trabalhadores
portuários, e se encontrava fora da área urbana, limitada aos arredores da Plaza
de Mayo. Além do mais, o Arroio
Tercero Del Sur a separava fisicamente, especialmente quando transbordava
com as chuvas. Como o lugar estava em um platô, era conhecido como El Alto. O principal local onde
se assentaram os moradores era a Calle
Real, atual Calle Defensa, que
conectava diretamente a Plaza Mayor
(hoje Plaza de Mayo) com a margem do
rio.
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Parroquia de San
Pedro González Telmo |
Em 1748, em um terreno
doado pelo vizinho Don Ignacio Bustillo y Zeballos, a Ordem dos Jesuítas começou
a construção da Iglesia de Nuestra Señora de Belém,
junto a qual se instalou a Casa de
Ejercicios Espirituales. Por esta última, começou a ser conhecido como o Bairro
da Residência. Quando
em 1767 os jesuítas foram expulsos da América
pelo Reino da Espanha, os bethlemitas assumiram a Igreja em 1785, e a
"residência" começou a ser usada como uma prisão. Quando
em 1806 se criou a Parroquia de San
Pedro González Telmo, a Iglesia de
Belém foi eleita como templo provisório, esperando a construção da Igreja
consagrada a esse santo, que nunca seria executada. San Telmo
tem três igrejas, todas bem diferentes uma da outra. A primeira da lista é a Parroquia
de San Pedro González Telmo (o padroeiro dos marinheiros), que é hoje Monumento
Histórico Nacional. A fachada é de estilo eclético, com elementos
arquitetônicos neocoloniais. Na parte superior se encontra a imagem de San
Pedro González Telmo. A que mais chama a atenção, no entanto, é mesmo a Igreja Ortodoxa Russa, em frente ao Parque Lezama. Foi inaugurada em 1904,
de acordo com projeto original do arquiteto Mihail Preobrazensky. Seu estilo é moscovita do século XVII. Na fachada, em mosaico veneziano, há uma
representação da Santíssima Trindade, realizado em São Petersburgo. Mais escondida, está a Igreja
Dinamarquesa inaugurada em 1931 e de estilo neogótico, com traços da
arquitetura nórdica.
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Prédios tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional |
Assim, o bairro começou
a ser chamado Alto de San Pedro. Em uma
lacuna situada
sobre a Calle Defensa, foi criado no
fim do século XVIII um lugar de parada para veículos que vinham com mercadorias
de Riachuelo, conhecido como o Hueco Del Alto ou o Alto
de las Carretas. Ali, os portenhos juraram independência da Espanha, firmada em Tucumán em 1816. Apesar
das dificuldades, depois da Independência
da Argentina o bairro começou a melhorar com a instalação de gás, luz, água
encanada, esgoto, entre outras coisas. A Plaza
foi chamada Del Comercio em 1822, e na década de 1860 se
estabeleceu o Mercado, que permaneceu até que em 1897 se inaugurou o atual Mercado
San Telmo. O Mercado tinha barracas
de açougue, peixe, legumes, floricultura, padaria e sapataria. Logo o Mercado
se tornou um dos lugares favoritos para os moradores de San Telmo. Pouco depois, a Plaza foi chamada Coronel Dorrego.
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Prédios Históricos em San Telmo |
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Prédios Históricos em San Telmo |
San
Telmo foi habitada por famílias tradicionais de Buenos Aires como Domingo French e
Esteban Echeverría, até que a epidemia de febre amarela de 1871 os fez mudar
para o norte. Assim começaram a alugar suas casas antigas para imigrantes
europeus que na mesma época começaram a chegar em grande número, por uma
política do Governo Nacional.
Buscando a sorte, eles se instalavam precariamente nos chamados conventillos. Nessas décadas,
como a arquitetura moderna começou a se espalhar na Argentina, começou a demolição e alteração de vários edifícios no
bairro, perdendo parte de seus principais patrimônios. Recentemente, em 1970,
graças à iniciativa do arquiteto José María Peña, fundador do Museu
da Cidade, foi criado na Plaza Coronel Dorrego a Feira
de Coisas Velhas e Antiguidades de San Pedro Telmo, dedicada a antiguidades
e objetivando que os portenhos valorizassem seu patrimônio histórico. Mercadorias
artesanais e itens colecionáveis inusitados enchem as barraquinhas que formam a
Feira. Com o passar dos anos, se formou um pequeno polo de antiquários
pitorescos que começaram a atrair turistas e foi a semente da impressão atual
que o bairro passa.
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Plaza Dorrego |
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Plaza Dorrego |
Há lojas que oferecem
peças de arte, antiguidades, móveis de séculos passados, artesanatos de prata
de América, e todo tipo de
lembranças. Sem a magia da Feira, as ruas de San Telmo certamente ficariam mais sonolentas aos domingos. O
local, além das muitas barraquinhas de antiguidades, abriga artistas locais de
todos os gêneros: de dançarinos de tango a mímicos, sendo palco, também, de
artistas anônimos, em busca de alguns trocados e diversão. Tem muita música ao
vivo, gente dançando e performances ecléticas por ali, o que deixa o clima com
jeito de carnaval. Em meio a toda essa energia, você fica com a impressão de
que a cidade toda foi passar o domingo em San
Telmo. San Telmo entrou no
circuito turístico de Buenos Aires
principalmente por sua Feira
de Coisas Velhas e Antiguidades, que
existe há mais de 40 anos e acontece todos os domingos. A Plaza
Coronel Dorrego também é um atrativo em si. É a segunda Plaza mais antiga de Buenos Aires,
depois da Plaza de Mayo, e é o coração de San Telmo. Aproveite
para fazer um pit-stop, tomar uma
cervejinha ou um café nos lugares ao redor da pracinha, vendo um
show de tango ao ar livre. Sempre há bailarinos pela região. Mas não se esqueça
de deixar uma boa gorjeta no chapéu, especialmente se fizer fotos – eles vivem
da generosidade dos turistas.
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Plaza Dorrego |
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Prédios Históricos em San Telmo |
Em 1978, o bairro sofreu
uma drástica modificação quando Osvaldo Cacciatore finalizou o projeto
de ampliação de velhas avenidas. Assim, as Calles
Independência e San Juan de Garay
foram expandidas e todos os seus edifícios de antes de 1910 foram demolidos, incluindo
a Casa de Orange, a mais antiga de pé
da cidade (século XVII). Em 1979, o arquiteto Peña liderou o projeto, onde uma
área de 120 quarteirões do Bairro Sul,
deveria manter intactos os prédios como patrimônios históricos, e os que fossem
construídos no futuro deveriam ter estilo contemporâneo, para não serem
confundidos com os autênticos. Essa lei controversa seria o primeiro passo para
a preservação da arquitetura antiga da cidade. Sua área completa é considerada Monumento Histórico Nacional. San Telmo conserva todos os rasgos
legítimos da autêntica Buenos Aires:
as ruas empedradas, altas árvores e um estilo particular de lâmpadas que ainda
estão em uso, brindando ao bairro uma atmosfera de recordações únicas.
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Prédios Históricos em San Telmo |
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Feira de San Telmo |
Moradores locais, viajantes, artistas e historiadores
são seduzidos pelos prédios de San Telmo
e sua atmosfera antiga. É bem verdade que o charme decadente de San Telmo pode levar um tempo para conquistar
os viajantes. Num primeiro momento, quem passa com pressa pelas suas avenidas pode
achar suas construções mal preservadas nada atraentes. Porém, basta parar alguns
segundos que nos damos conta dos seus detalhes sedutores. As fachadas rústicas e
o cenário romântico que se vê por ali garantem a posição do bairro como um dos preferidos
e mais requisitados da cidade. Repleto de histórias e não menos cheio de vivacidade,
San Telmo é mesmo um caso à parte. O
brilho do bairro parece eterno. Hoje em dia, porém, não é mais a alta classe que
vive na região. O bairro é ótimo para conhecer caminhando e observando as lojas
de roupas, decoração e objetos antigos. Mas San Telmo tem um espírito bem mais jovem. O melhor dia para ir até o
lugar é o domingo, quando acontece a Feira
de San Telmo, o mercado de pulgas mais famoso de Buenos Aires, uma das mais legais de toda a cidade – suas ruas ficam
cheias de gente.
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As cores de San Telmo |
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Arquitetura típica de San Telmo
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Um café clássico aqui, uma sacada fotogênica
acolá e uma simpática pracinha no meio de tudo isso. Pronto. Você provavelmente
já está disposto a aceitar o convite de San
Telmo para passar mais algumas horas juntos. Mas não se preocupe, pois apesar
de ser um bairro tradicional, este encontro não precisa ser tão conservador. Apesar
de sua idade, a vivacidade das ruas do bairro
não diminui, e seu charme imprevisível se mostra irresistível a cada esquina. O
Bairro de San Telmo é conhecido como
o bairro boêmio da cidade. Do mais refinado ao descontraído, San Telmo é conhecido por sua profusão
de cafés e restaurantes. Como acontece na maioria da cidade, os comensais
preferem as mesinhas na calçada aos espaços internos. Rico em tradições, mas
sempre aberto às tendências contemporâneas, o bairro tem uma boa dose de
restaurantes elegantes para complementar seus cafés informais. Eles misturam
com maestria sabores argentinos com toques internacionais. A Avenida Caseros, em San Telmo, vem sendo considerada
a “nova Palermo”, especialmente
em função do polo gastronômico e dos novos investimentos imobiliários. Em San Telmo é sempre tempo para mais uma
rodada de comes e bebes.
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Bares de San Telmo |
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Detalhes das sacadas dos prédios em San Telmo |
Se a Recoleta conquista pelo charme e Palermo pelo astral descolado, San Telmo utiliza a via oposta para
encantar os turistas. Quem reina no bairro é a atmosfera nostálgica de um
passado que não se deixa no esquecimento. É aquele tipo de lugar que a gente
demora em gostar, mas depois que somos seduzidos queremos estender ao máximo
nossa relação. Espere encontrar casarões antigos, ruas tranquilas e ruas
agitadas, lojas de antiguidades, além de cafeterias e restaurantes que estão
ali há mais de décadas. Para quem está em busca de um lugar para se hospedar, San Telmo também possui boas
acomodações a preços realistas. Suas calçadas servem de palco para
demonstrações improvisadas e verdadeiras festas itinerantes. Suas igrejas,
torres, parques e praças são exemplos vivos da história de San Telmo. Os prédios dali são a redefinição de certa elegância
decadente.
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Detalhes das sacadas dos prédios em San Telmo |
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Arquitetura típica de San Telmo |
A história de San Telmo propicia um solo mais que
fértil para a cena artística. Aqui, história e cultura de primeira se encontram.
Inaugurado em setembro de 2012, o Museu
de Arte Contemporânea de Buenos Aires (MACBA) tem o acervo
composto pela coleção de Aldo Rubino,
que data da década de 1980 e reúne itens da produção artística contemporânea
local e internacional com tendências de abstração
geométrica. Já o Museu
de Arte Moderna de Buenos Aires (MAMBA), criado em 1956, por
iniciativa do crítico de arte Rafael Squirru,
expõe a produção argentina de arte contemporânea com tendências
vanguardistas das décadas de 1940 a 1960, além de obras nacionais e internacionais que datam de 1920
até os dias atuais. Com acervo de cerca de sete mil obras, o Museu apresenta
exposições permanentes e itinerantes que contemplam artistas mundialmente
reconhecidos, como Joan Miró e Pablo Picasso.
Já as artes performáticas têm seu espaço próprio nas casas de
tango e salões de baile do bairro. San
Telmo não faz cerimônia na hora de revelar sua idade. A passagem do tempo
permitiu aos donos de estabelecimentos dali acumularem montanhas e mais
montanhas de antiguidades. Lojas que vendem itens curiosos e efemeridades
prosperam por lá. Mesmo para quem não gosta de antiguidades ou do movimento
tangueiro, San Telmo é uma opção
charmosa para um passeio descompromissado.
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Arquitetura típica de San Telmo |
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Prédios tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional
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Instalado na Calle Defensa, está o Museu Histórico Nacional, no Parque Lezama. Na década de 1880, após
meio século de guerras civis, o Museu
Histórico Nacional foi criado para contribuir com a
consolidação da Argentina como Estado Nação, desenvolvendo a memória
coletiva e o sentimento de pertencimento do povo argentino a partir de uma
iconografia patriótica. O Parque Lezama
onde está situado ocupa uma grade área com fontes, esculturas, playground,
amplas alamedas, bancos e muito verde. Em 1857, José Gregorio Lezama adquiriu a
propriedade que atualmente abriga o Parque
Lezama, exportou árvores e plantas exóticas de todo o mundo, contratou
paisagistas belgas e a transformou em um dos jardins privados mais luxuosos da
época. Após seu falecimento, em 1889, sua esposa, Ángela de Álzaga, decidiu
vender o terreno para a municipalidade, com a condição de que se tornasse um
espaço público batizado com o nome de seu marido. Em 1894, o Parque foi
inaugurado. Seu conjunto de esculturas chama atenção pela diversidade. Entre as
obras, monumentos representam Madre
Tereza de Calcutá, La Loba Romana
e Palas Atenas, além de Don Pedro Mendoza (fundador de Buenos Aires) e a Cordialidade Argentino-Uruguaia. O Parque Lezama se estabeleceu a partir do local onde Buenos Aires foi fundada no século XVI
pelos colonizadores espanhóis. Dá para dizer tranquilamente que o que eles
plantaram ali deu certo e se tornou uma cidade toda cultivada. Muitos séculos
depois, o Parque continua refrescando os argentinos em tardes quentes e fins de
semana de tranquilidade.
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Ruas de San Telmo |
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Museu Histórico Nacional |
Por aqui viveu Joaquín Salvador Lavado Tejón,
Quino, o célebre cartunista argentino, criador da sapeca e boca-dura Mafalda. Mafalda ficou conhecida por seus questionamentos e
sua preocupação com causas sociais entre os anos 1960 e 1970, mas continua
muito popular até os dias de hoje. A Estátua
da Mafalda, na esquina das Calles Chile e Defensa, em San
Telmo, é outro hit do bairro. Nos
finais de semana há fila para tirar uma foto com a personagem mais famosa e
querida dos quadrinhos argentinos. A estátua mede 80 centímetros,
a obra foi construída pelo escultor Pablo Irrgang e
está lá desde agosto de 2009.
Em 2014, ganhou a
companhia de dois de seus melhores amigos: Susanita e Manolito, quando a personagem
completou 50 anos. A Estátua
da Mafalda é o ponto de partida do Paseo de La Historieta, uma homenagem aos quadrinhos
argentinos, que termina no Museu do Humor, em Puerto Madero.
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